

Liberdade
A FESTA DE TODOS OS SANTOS
Paróquia Nossa Senhora da Paz
Rua Glicério n° 225 – Liberdade
Missas em espanhol no último do domingo do mês, ao 12:00.
Uma missa em espanhol, foi assim que iniciamos mais uma das visitas realizadas para entender mais sobre a cultura boliviana na cidade de São Paulo.
Realizada no bairro que é mais conhecido pela cultura japonesa, o bairro da Liberdade, a missa em espanhol é feita na igreja Nossa Senhora da Paz. Geralmente a missa ocorre no último domingo de cada mês, mas especialmente no dia de finados, a igreja realizou a missa em espanhol a fim de celebrar os costumes realizados na Bolívia.
Fotos por Bruno Sereno
Na cultura boliviana, o feriado de finados é conhecido como a festa de todos os santos. Diferentemente do Brasil, na Bolívia o feriado não se caracteriza por ser uma data triste, a festividade tem o intuito de cultivar a memória dos falecidos. A festa começa no dia anterior ao feriado, exatamente ao meio-dia, quando as almas dos mortos revisitam suas casas, para reencontrar seus entes queridos.
Para celebrar a visita dos seus entes, as famílias dos falecidos preparam comidas, pães, bebidas prediletas dos falecidos, para alegrar sua estadia durante o feriado. A oferta destes alimentos pôde ser percebida na igreja. Logo em frente ao altar estavam dispostas frutas e comidas em abundância.
Juan Cusicanki

Juan Cusicanki
Juan Cusicanki
A gente acredita que as almas venham visitar os familiares até pelo sonho e depois compartilham um pouco como estão e vão embora.
A pessoa que nos acolheu ao chegar na igreja, Juan Cusicanki, explicou o motivo das comidas e bebidas serem ofertadas em frente ao altar: “Para nós, bolivianos, a festa de finados é muito importante. Aqueles que já se foram retornam para nos visitar no dia primeiro de novembro e fazemos as comidas e bebidas que eles gostavam em vida para que eles aproveitem no dia de finados e voltem ao seu lugar com alegria”.
Como Juan ia tocar na missa, não pôde ficar conosco por muito tempo, mas nos convidou para seguirmos com ele e sua banda de músicos para o cemitério Vila Formosa, no qual cantariam músicas e fariam orações aos falecidos, de acordo com os costumes vivenciados na Bolívia.
Foto por Bruno Sereno
FESTA DOS MORTOS BOLIVIANOS EM CEMITÉRIO BRASILEIRO
Ao chegar no cemitério Vila Formosa, percebemos o quão essa festa é importante e expressiva para os bolivianos. Em vários túmulos vimos bolivianos cultuando o local de descanso de seus entes e ao redor, notamos a presença de comidas, bebidas e frutas. Em especial, notamos uma grande quantidade de pães caseiros ou tantawawas, como são chamados na Bolívia. As tantawawas são apresentadas de vários formatos e por eles é possível distinguir se o finado era criança ou adulto. Por exemplo, pães com formato de bonecas e cachorros, geralmente são crianças.
O grupo parava em cada túmulo, entoava canções e realiza orações para os finados, logo após recebiam as comidas e pães que estavam perto aos túmulos em forma de agradecimento.
No último túmulo que visitamos, junto à banda, tivemos a oportunidade de vivenciar uma cena bem curiosa. Enquanto os bolivianos entoavam uma das canções pedidas pelos familiares do falecido um grupo de umbandistas se aproximou e começou a cantar, bater palmas e dançar. Sinceramente foi um misto de diversidade cultural.
Fotos por Bruno Sereno
Juan Cusicanki

Pode parecer incoerente, mas é em um cemitério que o Grupo Kollasuyu Maya revitaliza anualmente a cultura de sua etnia Aimará - Boliviana. O grupo de músicos bolivianos têm Juan Cusicanki como líder e porta-voz cultural.
Com seu tambor de couro animal, Juan dá ritmo aos rituais da Fiesta de Todos Los Santos, celebrada no Dia de Finados. O Grupo se concentra na entrada principal do Cemitério da Vila Formosa - zona leste paulistana - e quando todos estão reunidos, sobem a ladeira do mausoléu a procura das 'mesas' bolivianas. Uma vez encontradas, músicos e familiares rezam e cantam em conjunto para homenagear as almas que ali se encontram, segundo sua cultura.
Uma prova de resistência cultural que Juan luta desde sua chegada ao Brasil, na década de 80. Naquela época, a Bolívia vivia em plena ditadura e quando Cusicanki chegou aqui sozinho, encontrou uma realidade já familiar. "Eu vim para o Brasil nos anos 80. Estava lá (Bolívia) em uma ditadura e cheguei aqui em outra ditadura. Foi difícil. Muita passeata, muita briga e muita gente desaparecendo. Não sabia que latino americano era assim".
Juan vive da música e daqueles que apreciam a cultura nativa, tal como ele. O artista preocupa-se com a perda da tradição. Juan, de olhar distante, lembra com pesar de filhos de amigos seus bolivianos. "Eu conheço bolivianos que seus filhos escutam outras músicas aqui de outra cultura, e eles vão se desacostumando".
Juan sonhava em morar na Europa, ser melhor reconhecido, mas resolveu ficar no Brasil. Pai de três filhos, Juan é a expressão de uma Bolívia que resiste ao preconceito e à modernidade. Para Juan, avançar é retornar às origens e faz desta sua luta diária.